quarta-feira, 28 de março de 2012

Pra matar as saudades de mãinha


Imagem do blog http://maesolteirarecemcasada.blogspot.com.br

E lá se foram 4 meses depois que a mãinha de Jurema, Dona Arlinda, resolveu morar em sua terra natal, Pilão Arcado. Se perguntar pro povo de lá o porquê desse nome ninguém vai saber te dizer, mas de acordo com a denominação está ligada a uma lenda de pescadores que encontraram um pilão, com formato de uma curva em arco, em uma das margens do rio São Francisco, e passaram a utilizá-lo para pilar o sal que salgava o peixe. Fato ou não, quase ninguém conhece essa cidade que fica bem no interior do Estado da Bahia.

Pra quem passou mais de 30 anos da vida na cidade grande, Dona Arlinda tirou férias do trânsito e de suas lamentações (mas arranjou outras lá em Pilão Arcado), mesmo sabendo que lá teria uma nova adaptação.

Com a distância de mais de 1400 quilômetros, metrô, ônibus até o aeroporto, avião até Salvador, Jurema quis matar um tiquinho da saudade que estava apertando em seu peito de sua mãe, levando consigo, claro, seu marido e companheiro de aventuras Afrânio.

Chegaram a cidade quase ao mesmo tempo, combinando até em pegar o mesmo taxi para a pousada. Ao entrar no veículo a choradeira e emoção foi geral, afinal, foram mais de 4 meses sem os sorrisos, os berros, os abraços de mãe e filha inseparáveis. A emoção passou um pouco para frustração, quando Jurema perguntou o valor da corrida: R$ 100,00. Um assalto logo na primeira noite. Brochante.

Jurema e Dona Arlinda além de mãe e filha são e sempre foram muito amigas, até pela pouca diferença de idade entre as duas (20 anos). Com a distância, a amizade só aumentou, como também a cumplicidade, o amor e o respeito.

Na noite de estreia, foram jantar em um restaurant típico, recebidos com uma cerveja e uma moqueca (com dendê, pois sem o dendê eles chamam de “ensopado”) de polvo com camarões, acompanhada de pirão, banana, arroz e farofa. Essa é a Bahia!

Ao amanhecer, o calor despertou o casal e Dona Arlinda, que correram direto para o café da manhã baiano, com tapioca, sucos, ovo mexido e batata doce. Cida, uma das funcionárias da pousada, já os recebeu com um bom dia tão nordestino que carregou o clima leve durante toda a viagem. O próximo destino e mais importante, a praia de Stella Maris, cheia de turistas e surfistas que acompanhavam o Circuito de Surf.

Uma praia de águas limpas, mas cheia de buracos, ondas e muitos competidores na água, permitiu que Dona Arlinda fritasse no sol como uma lagartixa no deserto, se besuntando de óleo de urucum, enquando o bronze holandês de Afrânio foi mantido debaixo do guarda-sol. Jurema se revezou entre o protetor solar e o sol, o mar, a água de coco, a espreguiçadeira. Mas quando os raios marcaram o pino do meio-dia, Jurema propôs:
- Afrânio, que tal a gente curtir agora lá na piscina da pousada? Depois a gente pode sair pra almoçar!
- Bora, Jureminha! Você vem conosco, sogra?
Dona Arminda estava inconformada com sua cor ainda não ser o ideal, então permaneceu estirada na cadeira por algumas horas.

Jurema e Afrânio curtiram a piscina e todo o clima aconchegante da pousada, inclusive acompanhados de um hóspede permanente e inusitado: o papagaio. Era tão simpático o bicho que repetia perfeitamente “Louro”, “qué café”, “Ilariê”, “vem”, e Afrânio se empolgou nos cliques, praticamente um book fotográfico em diversas poses sobre a árvore do “lorinho”.

Horas depois, Dona Arminda permanecia ao sol, obrigando Afrânio e Jurema a buscá-la e regastá-la para o almoço. Mesmo insistindo que não estava com fome, Dona Arminda os acompanhou, quase que intimada!

À noitinha, sairam para um pub próximo bebericar e jogar conversa fora, reclamar da vida em Pilão Arcado, em São Paulo, chorar as pitangas e bem sabemos que nessas horas a emoção rola solta, desde lavar roupa suja, chororô, abraços, tudo. Mas o que sobra é a saudade, sempre.

Chegou o dia de ir embora. Curtir os últimos momentos na praia só pra constar e levar novas fotos pra São Paulo e Pilão Arcado. Na despedida, Dona Arlinda chorou feito criança, enquando Jurema segurou suas lágrimas para depois, ajeitou o cabelo louro da mãe, suspirou e disse:
- Mãinha, se cuide. Logo logo estaremos juntas denovo.
Dona Arlinda entrou no taxi, acenando para a filha e repetiu:
- Uma semana, minha filha, eu volto pra ficar com vocês.

Ao chegar no aeroporto, Jurema desabou nos ombros do marido, e assim permaneceu durante todo o voo de volta à São Paulo.

O que Jurema ainda não sabe é que sua mãinha estará de volta quando ela menos esperar. Nem quando der tempo de sentir saudades novamente…

sexta-feira, 9 de março de 2012

Cospe que sai sangue

Quem nunca ficou internado num hospital público ou foi acompanhante de alguém não faz ideia de como é esse ambiente. Infelimente , Jurema passou por essa terrível experiência recentemente ao sentir fortes dores estomacais e vomitar sangue.
Numa linda quinta-feira noturna de lua, dia da rainha do mar Iemanjá, Afrânio e Jurema sairíam para comemorar a oficialização do casamento deles, com um almoço romântico, porém, mal saberiam que a noite de pesadelo só estaria no começo.
Ao chegar em casa, Afrânio encontrou sua esposa com enjoos e a questionou sobre seu estado de saúde:
- Jurema, o que você tem? Está enjoada?
- Sim, Afrânio, estou com um pouco de enjoo, acho que vou vomitar.
Jurema, crente de que seria um simples enjoo, por ter comido algo que não a fez bem, se assustou quando viu sangue na privada, chamando a atenção de Afrânio:
- Vou chamar uma ambulância, temos de levar você ao médico agora mesmo!
- Não precisa, vamos de moto.
- Moto? Se chegarmos de moto você demorará horas pra ser atendida! Você está vomitando sangue, mulher, sangue!

Diante do cenário um tanto preocupante, Afrânio ligou imediatamente solicitando uma ambulância, mas a espera e o estado agravante de sua esposa só o deixou cada vez mais preocupado e nervoso, levando-o a buscar ajuda com seus amigos que poderiam oferecer uma carona, sem sucesso. A ambulância demorou cerca de 15 minutos, que seriam uma eternidade para o casal, mas assim que o veículo chegou os dois respirariam um pouco mais aliviados.

Já dentro da ambulância, Jurema recebeu os primeiros cuidados para saber um pouco mais de seu estado de saúde, como pressão arterial, temperatura corporal e o mais importante: o que teria ingerido antes dos sintomas. No exato momento que Jurema tirou de sua bolsa uma cartela de remédios para enxaqueca o plantonista alertou:
- Senhora, esse remédio é a possível causa do seu sangramento, pois as substâncias aqui contidas, como ácido acetilsalicílico são usadas em pacientes que sofrem de infarto. Jurema olhou assustada para o rosto do marido também assustado e lembrando que havia feito o uso da medicação por 3 semanas, ocasionando assim esse sangramento no estômago.

Foram levados ao hospital Heliópolis, na zona sul de São Paulo, pela localização mais próxima e pela presença de médicos plantonistas especializados nesse caso. Jurema nunca gostou muito do clima de hospital, ainda mais os públicos, pela falta de educação, atenção e precisão dos diagnósticos da maioria dos pacientes, mais humildes. Ao chegar ao local, Jurema foi prontamente atendida pela Dra. Janice, que a examinou cuidadosamente e entrevistando-a para entender melhor os sintomas e diagnosticá-la. Sem sombra de dúvidas, Jurema se submeteu a uma série de exames de sangue, além da péssima notícia à uma hora da manhã: teria de ficar internada até às 7 horas da manhã, para poder realizar o exame de endoscopia, imprescindível em casos gástricos. Quando Afrânio chegou à sala de repouso, onde Jurema descansava ingerindo pela veia do braço litros e litros de soro e omeprazol, medicamento muito comum para problemas estomacais, desacreditou nas palavras do marido:
- Agora são quase duas da madrugada, estou com fome e vou ter de ficar aqui, nesse lugar, de jejum até às sete da manhã??
- Sim, você precisa estar em jejum para a realização do exame e também não acho nada bom sairmos daqui sem entender realmente o que aconteceu com você.
Jurema pensou por alguns instantes e acabou concordando com o marido, claro, a contragosto, pois queria estar em sua casa, descansando em sua cama, em seu lar.

A descrição da sala de repouso é totalmente o inverso de uma sala de repouso. Quando Jurema deu entrada, haviam somente duas senhoras nas macas do fundo dormindo, o local frio, muito frio, obrigando Jurema a se enrolar em um dos lençois disponíveis próximos à sua maca. Não haviam cobertores. Após alguns instantes, uma senhora, acompanhada de sua filha, deram entrada à sala de repouso, causando o maior estardalhaço por parte de algumas enfermeiras plantonistas. A senhora apresentava um quadro de insuficiência respiratória, dores nas costas, barriga e reclamava muito de seus incômodos, enfim, Jurema e Afrânio se entreolharam na hora e logo concluiram que seria um sintoma de início de infarto. Como é de se esperar, a senhora e sua filha permaneceram durante duas e longas horas incansáveis, implorando por atendimento, até que outra médica plantonista tomou as rédeas da situação e transferiu a senhora para a UTI, para alívio das demais ocupantes da sala de “repouso”.

Por vezes Jurema tentou fechar os olhos para dormir, já que as horas pareciam rastejar e sua impaciência em ir para casa ficava cada vez maior e angustiante, a ponto de levá-la às lágrimas:
- Afrânio, vamos embora! Não aguento mais ficar nesse lugar! Estou com fome, não consigo dormir, pelo amor de Deus, não quero mais ficar aqui.
- Calma, Jurema, você precisa ser forte, faltam poucas horas pro seu exame, tente descansar um pouco, vai, assim a hora passa mais rápido.

Algumas longas horas depois, Jurema que tinha apenas cochilado durante meia hora, devido aos gritos histéricos vindo da ala das enfermeiras, olhou fixamente para o relógio que marcava sete horas da manhã, horário informado pela médica que iniciaria-se o exame de endoscopia. Após pressões de Afrânio à médica para que sua esposa fosse atendida e que não aguentava mais ficar ali aguardando, além de ameaçar ir embora, caso não fosse atendida na próxima meia hora, a médica atendeu o casal, encaminhando Jurema à sala de exames. Chegando lá, Jurema foi prontamente atendida, realizando o exame sem maiores problemas, inclusive, obtendo o resultado no mesmo instante: apenas uma gastrite leve, com algumas aftas estomais, ocasionadas pelo uso do medicamento.
Jurema foi levada novamente à sala de repouso, aguardando a receita da médica e a autorização de alta. Já seriam nove e meia da manhã da sexta-feira.

A primeira coisa que Jurema fez ao sair do hospital foi comer, mas comer um pão na chapa e aliviar os momentos que viveu na sala de luzes incomodamente brancas, paredes geladas e barulhos agoniantes. Seu segundo desejo:
- Afrânio, vamos para a praia?
- Agora? Você não está com sono?
- Não! E você?
- Não, então, vambora!
- Só se for agora!

Nada melhor que o sal do mar e a bênção de Iemanjá pra tirar a zica e renovar as energias do casal mais marmota da atualidade.